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o chefe dos jardins odeia
as árvores
A cidade era. velha. Tinha um arcebispo tão velho que parecia
embalsamado, uma velha catedral que servia, entre outras coisas, para termo de
comparação com a velhice do mundo, um ar parado como se a vida fosse velha também!
Mas, lá, nasce e morre gente. Crescem ervas tenras nos interstícios do
calcetamento e há flores nos jardins, quando a Primavera chega. Árvores já tem
poucas e escanzeladas: o chefe dos jardins odeia as árvores e nesse ódio
realiza a sua poda anual. Cada vez menos ramos, menos folhas, menos galhos
novos e tenros; os pássaros têm de tentar nova pousada, quando chegarem as
noites quentes do Verão. Nos jardins, onde as árvores cada vez mais escasseiam,
o chefe dos jardins plantou arbustos, pequenos, atarracados, em feitio de
supositórios ou com requebros de saca-rolhas ... Dizem que o referido
jardineiro, após esta revelação, pública e notória, usa desta estética porque
sofre da tripa: prisão de ventre. E daí ... os supositórios e os saca-rolhas
vegetais ... A cidade é velha e por isso tem dentro de si a sabedoria das
coisas velhas, o interesse daqueles trastes que passando de mão em mão ganharam
um perfume pessoal, atingiram o direito de ter uma biografia, tecida das
biografias individuais.
in "Roxo Rei e Outras
Estorias", 1973
Amândio César, (1921 - 1987)
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